É pura épura
Vista da exposição,  "É pura épura"
"Bolada", 2015  
Vista da exposição,  "É pura épura"
Vista da exposição  "É pura épura"
"Acelerador", 2015  
Vista da exposição,  "É pura épura"
José Damasceno Galeria 1 - 1º e 2º andar de 01.04.2016 a 04.06.2016
1 2 3 4 5 6

Além do que vemos

Encontros provocados pela imaginação… as criações de José Damasceno e Victor Arruda, na galeria dotART em Belo Horizonte, nunca foram vistas antes no espaço da galeria. Constituem novos e inesperados arranjos de poesia que emocionam o público que percorre as exposições, surpreendendo em nuances musicais o conjunto de obras exposto aqui e agora.

Esses artistas formam uma maneira de pensar muito especial, que aparece, com clareza, na arte de cada um – a contemporaneidade brasileira é testemunhada pela obra de artistas que rompem com as medidas normativas que moldam nosso presente. Cabe então perguntar: em que somos contemporâneos? Em nosso desejo de desfazer limites, criando moradas existentes a partir de apropriações pouco prováveis, operadas por um pensamento que ousa na experimentação, como os dois artistas aqui nessa mostra. Caminhos diferentes, porém com o mesmo compromisso: a verdadeira maneira de realizar sua arte.

Sendo a arte expressão de um pensamento, em que consiste a sua especificidade? Nela, o pensamento se exprime em uma matéria sensível, ou melhor, no ser do sensível que é sensação. A arte é pensamento conjugado com o sensível, ideia e sensação se conjugam, linguagem e afeto se entrelaçam, sentido e paisagem se unificam. A arte é a linguagem das sensações, e isso sentimos quando olhamos para as obras de José Damasceno e Victor Arruda exibidas aqui na galeria dotART.

Desfrute o raro encontro desses artistas, vamos sonhar!

Wilson Lazaro

Vista da exposição,  "É pura épura"
"Bolada", 2015  
Vista da exposição,  "É pura épura"
Vista da exposição  "É pura épura"
"Acelerador", 2015  
Vista da exposição,  "É pura épura"
1 2 3 4 5 6

É pura épura – Projeções Aventurosas

“Eppur si muove” (murmúrio de Galileu Galilei)

“Entretanto, move-se”. A frase atribuída a Galileu paira sobre a exposição de José Damasceno. Paira como a sentença “é pura épura”, manuscrita na parede, que funciona como horizonte transcendental das obras. Para quem apenas olha, é uma reunião de peças geométricas, compostas sob o signo da elipse. Mas para quem realmente enxerga, trata-se de um lugar que agencia espaços, que provoca possibilidades de invenção de espaços.

A toca de granito, sombra sólida que a imaginação povoa com o ratinho do cartoon, recebe-nos com sua densidade enigmática. Há sempre, em damasceno, o entre, o intermediário; no caso, a oscilação entre a concretude do objeto e a toca fantástica do rato imaginário.

A ideia de épura, recurso de geometria descritiva, faz o artista brincar com saltos, com trânsitos entre dimensões. Ela constitui um horizonte semântico, ato que supõe projeções de movimento que ocasionam uma alteração do espaço.
O acelerador, feito de madeira, traz consigo a ideia de molde, de modelo, mas faz surgir principalmente uma espécie de máquina indagadora à qual é lícito perguntar: o que pesquisa? Para manter em aberto a interrogação do artista, diremos: pesquisa a própria inquietação criadora, investiga a incerteza dos espaços que aí são relacionados. Máquina sem porquê, mas com “como” e razão enigmática.

A sucessão de espaços elípticos vai afinando as proporções, os números, até criar uma espécie de vertigem neobarroca, As formas são inspiradas na geométrica “elipse”, mas não podemos esquecer o sentido do termo “elipse”: subentendido, condensação, torsão interna.

O acelerador está diante de nós, parado, com sua mobilidade latente. Instrumento óptico, alusão à ideia de lente (que faz a imagem dilatar-se e retrair-se), o acelerador coloca a questão essencial do ritmo. Ritmo de linhas, ritmo de palavras, sucessão de pontuações.

Um grande tema para o artista: o alcance da visão, do pensamento, da linguagem: “Apenas olhar é ver menos, enxergar realmente é ver mais”. No seu jogo de reenvios, de saltos entre a visão e o pensamento, constatamos que a épura “acelerador” está ao lado do objeto “acelerador”. Presença ambivalente: está aqui e, ao mesmo tempo, não está. Estado espetacular da especulação.

Bolada traz a gíria do dinheiro, da nervosidade e da imaginação. Como é superlativa, traz o “muito”, e com ele a ideia de valor. Folhas de chumbo dobradas nos catapultam para o sonho alquímico de transformar chumbo em ouro. Fazer do chumbo das vivências o ouro do pensamento. Iluminar.

O monitor é aquele aparelho sem relação clara entre figura e fundo. Fios de lã criam uma experiência óptica. Cores revelam uma determinada tessitura, rede, urdidura. Um ritmo de fios. A palavra “ritmo” desliza pela exposição. No acelerador sobretudo, os furos dão saltos, espaços entre espaços, vasos comunicantes, pontuações rítmicas. Na sentença manuscrita “é pura épura”, os sentidos alinhados de “depurar”, “purificar”, “regular o ritmo do movimento”, sem nunca esquecer a relatividade implícita na palavra “velocidade”.

Findo o passeio pelas peças, a cabeça continua a urdir, a tecer projeções. Experiência projetiva intensa, a exposição também nos interroga com suas elipses espaciais e semânticas: o que é mesmo ver? Pode existir movimento em algo aparentemente imóvel?

Artífice de um mundo de velocidades potenciais, José Damasceno também se compraz na arte de ecoar dimensões especulares. Sempre como que recolocando o aforismo: “apenas olhar é ver menos, enxergar realmente é ver mais” – José Thomaz Brum

Doutor em Filosofia pela Universidade de Nice, França, e professor de Estética no Curso de Especialização em História da Arte da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.