O artista que queria ser rei
Obras na exposição,  "O artista que queria ser rei"
Obras na exposição,  "O artista que queria ser rei"
Obras na exposição,  "O artista que queria ser rei"
Alvaro Seixas Galeria 2 - 1º andar de 17.08.2016 a 01.10.2016
1 2 3

E por que não?

Vivemos em um período de transição – na arte, na música, na política, na natureza, na vida e no universo…

O formato deste milênio ainda não está definido, será que precisa? A pintura continua caminhando e é atual sempre, como uma pele do artista que produz, em um gesto intenso e muito difícil de realizar, essa “técnica emocional”. A tela pintada fala, surpreende, questiona o olhar e transporta para qualquer lugar do inconsciente e da realidade da mente. A “artepintura” muitas das vezes é orgânica e, também, visceral. Assim, ela permanece com vida ao longo da história da arte.

Isso é o que vamos poder observar nas novas exposições da dotART galeria, em Belo Horizonte. Estamos falando de um encontro de três artistas que utilizam o suporte pintura para realizar suas obras e um outro que utiliza pintura para surpreender o público em suas esculturas com movimento e musicalidade. Acho que o que esses artistas gostam mesmo de fazer é contar histórias, e é para isso que eles fazem essas pinturas, para contar um conto em suas obras…

Acredito que uma característica ainda mais importante desse encontro na dotART é a mutabilidade desses artistas, em transformar-se a cada compasso de pensamento, a cada pincelada, a cada tela realizada. É sempre possível sentir ao admirar suas criações! Estamos falando de uma pintura do tempo, sempre se renovando e sem medo, em uma maneira atual de fazer arte, sem ser datada e, sim, construção eterna. Há um frescor nas criações desses artistas que trabalham a arte sob o ponto de vista da filosofia e da subjetividade, dando ênfase aos sentimentos trazidos da relação do homem com a pintura construída.

Tanto Marina Saleme quanto Álvaro Seixas, Daniel Lannes e Roberto Freitas “falam em suas obras”. São pinturas com personalidade, um toque de estranheza e uma imensa sensação de emoções em cada tela e escultura mostradas aqui, brotando vida quando olhamos para cada uma. Essas criações desses são como um colírio em nossos olhos, despertam boas surpresas e prazer.

Isso é bom!

Obras na exposição,  "O artista que queria ser rei"
Obras na exposição,  "O artista que queria ser rei"
Obras na exposição,  "O artista que queria ser rei"
1 2 3

Wilson Lazaro Percebo claramente que em seu trabalho existe um fio condutor que está presente em seu gesto de fazer e exercitar … mente os desenhos como refrescar, é isso? Em que sentido você acredita que “deve” mudar hoje a maneira de pensar e realizar o fazer artístico?

Alvaro Seixas Atualmente, a palavra “mudança” é fundamental na minha maneira de viver e, de certa maneira, fazer/pensar arte. O fio condutor da minha produção se chama “Alvaro Seixas” e essa figura admite várias mutações, fantasias, ficções, narrativas, alteregos, personas. Sempre gostei do pensamento budista, em particular do Zen, apesar de nunca ter feito meditação. Mas, pensadores como Allan Watts hoje me ensinam a viver a vida admitindo mudanças, sejam sutis ou marcantes.

Há uns cinco anos era um “jovem pintor abstrato” e corria o risco de viver eternamente nesse clichê imposto por mim mesmo à minha própria pessoa (pensava que assim agradaria à críticos, curadores e alguns amigos artistas); hoje em minha “produção” estão presentes pinturas que continuam a remeter a certos aspectos da Abstração histórica, mas também à paisagistas como Turner e Monet. Essas abstrações, paisagens e/ou densas matérias pictóricas contrastam positivamente com a minha recente produção de desenhos.

Os desenhos que comecei a fazer em agosto do ano passado foram fundamentais para repensar a minha persona de pintor. Não são estudos visuais para pinturas, mas servem para criar embates poéticos e conceituais com a minha atividade pictórica e, muitas vezes, com o sistema artístico. Foi destes embates que surgiu a exposição “O artista que queria ser rei”.

 

WL Você acredita que hoje, existe um modelo de conceito na hora de criar? Um modismo no produzir arte hoje? Você segue isso? Como você coloca sua obra nesse sentido?

AS Modismos, não sei. Há sem dúvida uma prática em voga no Brasil, apontada por artistas como o Cildo Meireles: o “curadorismo”. Não acho a figura do curador dispensável, pois vi grandes e marcantes exposições organizadas por curadores.

Fui curador assistente do grande Marcus de Lontra Costa durante anos e ele me ensinou muito sobre arte e vida. Já fui essa peça do mundo das artes. Justamente por isso sou sensível ao fato de que a figura do curador pode tanto ajudar a edificar ou repensar a maneira de ver a arte e o mundo, como também pode atuar como um agente castrador e burocrático. Há curadores que não visitam o ateliê dos artistas e, a partir de imagens enviadas por e-mail, escrevem lindos textos sobre a “materialidade” ou “presença” da obra de determinado artista, obras que nunca viram ao vivo. Seria o curador um “fingidor capaz de fingir que é dor a dor que deveras sente?”. Alguns curadores parecem assumir a persona de poeta, outros de faraó, messias e/ou lobo de wall street. Todas elas dão ótimas ideias para cartoons, feitas por mim, o artista.

Há ainda o mercado de arte, as brigas entre os egos das figuras do meio de arte (inclusive entre artistas, é claro)… Essas brigas costumavam me irritar muito… hoje me divirto ao narrar essas histórias – elas podem se materializar sob a forma de desenhos, pinturas, instalações, perfis de instagram ou livros de artista. Essas narrativas podem conviver com as minhas pinturas. Aliás, quem terá a audácia de me dizer que não? Que essa pessoa venha me dizer que não posso fazer determinada obra… que minha obra não representa o meu verdadeiro eu. Adoro curtir minhas egotrips artísticas… achar que minhas obras são reinos… que eu sou um rei delirante com pinceis e tintas nas mãos. Adoro rir dessas egotrips… rir da egolatria. Fiz um desenho que diz: “Monet, De Kooning e Richter profetizaram a vinda da minha pintura”. Nós, artistas, como bons seres humanos, achamos, por vezes (ou muitas vezes), que estamos no centro do universo. Prefiro pensar que meus reinos são pictóricos, virtuais, cheios de cores e nuances; ao invés de promover a egolatria no mundo real.

 

WL Qual o diálogo com atualidade, com sociedade e com o seu processo de criar seu suporte acadêmico, ora arcaico, é apresentado na criação da sua obra? E como você percebe esse trabalho que se apresenta de forma orgânica e atinge o visceral?

AS A academia foi muito positiva para meu percurso artístico. Fui aluno de grandes artistas como Milton Machado e pensadores como Tadeu Capistrano. Fui orientado no mestrado e no doutorado pelo grande Paulo Venâncio Filho. Hoje dou aula de desenho na mesma faculdade onde me graduei, fiz mestrado e doutorado. Todos os meus professores me deram lições sobre arte, cada um do seu jeito. O Milton, em particular, foi um grande agente provocador. Com ele aprendi a sempre desconfiar das minhas próprias certezas. Considero o Milton um niilista positivo. Aprendi com ele a puxar o meu próprio tapete de certezas… isso se conecta a sua primeira pergunta – sobre a mudança.

Há uma frase da dupla de artistas Fischli & Weiss que ficou na minha mente: “admita a mudança como algo inevitável”. Nada mais Zen do que isso. A organicidade e a visceralidade que você sugere na pergunta se conectam a ideia de mutabilidade, transitoriedade. A “carne” da minha pintura, cuidadosa ou agitadamente elaborada no meu ateliê, trazem consigo as marcas do meu pensamento nômade ou desbravador.

Em agosto tentarei ser um “Rei” em Belo Horizonte, num futuro próximo é bem possível que assuma outra persona. Isso não é necessariamente um sinal de esquizofrenia, como alguns redatores do pós-modernismo escreveram… prefiro me pensar como um artista fantasiando mundos — um estranho, niilista e positivo poeta romântico… capaz de percorrer e conciliar vários reinos visuais e conceituais: o Zen Budismo; filmes/livros como “O Homem que queria ser rei”; a pintura impressionista; as egotrips artísticas; as feiras de arte. A vida e a arte devem ser desbravadas com doses de desconfiança, admiração e, acima de tudo, otimismo.