Tristes Trópicos
Obra em exposição,  "Tristes trópicos"
Vista da exposição,  "Tristes trópicos"
"Cúpula", 2016  
Obra em exposição,  "Tristes trópicos"
Daniel Lannes Galeria 1 - 2º andar de 17.08.2016 a 01.10.2016
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E por que não?

Vivemos em um período de transição – na arte, na música, na política, na natureza, na vida e no universo…

O formato deste milênio ainda não está definido, será que precisa? A pintura continua caminhando e é atual sempre, como uma pele do artista que produz, em um gesto intenso e muito difícil de realizar, essa “técnica emocional”. A tela pintada fala, surpreende, questiona o olhar e transporta para qualquer lugar do inconsciente e da realidade da mente. A “artepintura” muitas das vezes é orgânica e, também, visceral. Assim, ela permanece com vida ao longo da história da arte.

Isso é o que vamos poder observar nas novas exposições da dotART galeria, em Belo Horizonte. Estamos falando de um encontro de três artistas que utilizam o suporte pintura para realizar suas obras e um outro que utiliza pintura para surpreender o público em suas esculturas com movimento e musicalidade. Acho que o que esses artistas gostam mesmo de fazer é contar histórias, e é para isso que eles fazem essas pinturas, para contar um conto em suas obras…

Acredito que uma característica ainda mais importante desse encontro na dotART é a mutabilidade desses artistas, em transformar-se a cada compasso de pensamento, a cada pincelada, a cada tela realizada. É sempre possível sentir ao admirar suas criações! Estamos falando de uma pintura do tempo, sempre se renovando e sem medo, em uma maneira atual de fazer arte, sem ser datada e, sim, construção eterna. Há um frescor nas criações desses artistas que trabalham a arte sob o ponto de vista da filosofia e da subjetividade, dando ênfase aos sentimentos trazidos da relação do homem com a pintura construída.

Tanto Marina Saleme quanto Álvaro Seixas, Daniel Lannes e Roberto Freitas “falam em suas obras”. São pinturas com personalidade, um toque de estranheza e uma imensa sensação de emoções em cada tela e escultura mostradas aqui, brotando vida quando olhamos para cada uma. Essas criações desses são como um colírio em nossos olhos, despertam boas surpresas e prazer.

Isso é bom!

Obra em exposição,  "Tristes trópicos"
Vista da exposição,  "Tristes trópicos"
"Cúpula", 2016  
Obra em exposição,  "Tristes trópicos"
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Wilson Lazaro O que exatamente você, tem em seu pensamento com suas cenas criadas nas suas pinturas, seus personagens parecem despregar das telas e seguir viagem. Acredito que você é um grande contador de histórias ou seria um pintor viajante? isso faz sentido? qual é o seu cenário ideal para essa viagem em seu processo de criação? 

Daniel Lannes Acho que faz sentido sim. Na verdade, creio que os pintores viajantes que aqui (Brasil) estiveram também eram grandes contadores de histórias. Se pensarmos em Albert Eckhout, que esteve aqui com Maurício de Nassau, podemos v6-lo como um grande Contador de histórias. Seus retratos e naturezas mortas tinham, inicialmente, um papel científico e documentarista – retratar os nativos, a fauna e a flora tropical – mas também davam margem para uma idealização. Nos retratos, por exemplo, nota-se uma idealização do retratado. O índio pintado aos moldes europeus, em poses arranjadas aos moldes tradicionais do retrato clássico. Há uma mistura de observação analítica e idealização pré-concebida. Isso por si só já o torna um Contador de histórias. Ele punha algo de fantasioso em sua tarefa documental.

Se pensarmos em Debret vemos então um narrador ainda mais profundo. Seu legado é uma grande compilação de histórias. Toda uma cultura, um modo de viver, de se vestir, de se relacionar: tudo isto se encontra em suas pinturas e aquarelas.
No meu caso, acredito que busco nas cenas que escolho pintar algo que instigue esse “olhar viajante”. Algo precisa me atrair de alguma forma: seja formalmente ou no conteúdo, ou ainda nos dois. Procuro enxergar as cenas que retrato com esse olhar ainda curioso de quem pisa em uma terra pela primeira vez; com um olhar aberto ao novo. A partir desse abordagem, a história é contada. Ás vezes acho mais interessante contar essa história com um distanciamento poético, quero dizer, sem uma pretensão realista, de quem está a julgar ou comentar uma situação passada pelos olhos da história conhecida, mas sim, pela fantasia, pela idealização e pelo delírio. Acredito que seja essencial delirar. A descrição pura e simples não me interessa. Busco o ponto onde minha idealização tangencia o absurdo. Acho esse é o cenário ideal para a minha viagem: a reinvenção de arquétipos e estereótipos dados a priori.

 

WL O que é ser um pintor hoje para você, a partir de uma expectativa romântica? Como se dá a sua pesquisa? Já que percebo sempre um novo olhar nas suas telas. Isso é ser artista hoje? 

DL Acredito que ser pintor hoje seja, por excelência, uma atividade romântica. Num mundo tecnocrático, capitalista e ansioso no qual vivemos, a experiência da pintura nos joga para uma outra dinâmica temporal. Há uma espera: o tempo do olhar; da secagem da tinta; do embate com a tela. A pintura, no fim, é quem vence. Nós nunca terminamos uma pintura: nós a deixamos.

Minha pesquisa se dá de diversas formas. Nesta mostra Tristes Trópicos – cujo título tomei emprestado do clássico livro do antropólogo francês Lévi- Strauss – o que me moveu foi a força poética desse termo. A aparente contradição entre a alegria e o hedonismo tropical contraposta à melancolia e ao isolamento da tristeza me fizeram pensar em imagens diversas. Não pretendi em nenhum momento ilustrar através de imagens as ideias e conceitos do autor francês. Mas, sim, utilizar a força poética dessa expressão para falar de coisas aparentemente distantes entre si: uma pintura do Guignard e uma escultura do Max bill; Um retrato de uma escultura do Aleijadinho com uma cena de bastidores políticos. Um retrato da vedete Luz del Fuego e uma cena de um navio à deriva no mar. Tudo isso, pra mim, são tristes trópicos.

 

WL Como acontece o diálogo entre você e seus personagens para estruturar sua pintura? já que na sua pintura, tem um equilíbrio que desequilibra o olhar na experiência íntima com a sua pintura. Lembro muito de viajar nas suas pinturas e sair com uma poesia em minhas lembranças… só acredito em obra que emociona, isso sinto diante da sua obra. O que você tem pra dizer sobre isso? 

DL Acredito que minha relação com meus personagens acontecem de forma arrebatadora: eu preciso me apaixonar por uma imagem. Ter tesão e desejo por ela. A partir daí acontece um processo de desapego: uma vez que decido pinta – lá preciso encontrar no embate com a tela uma forma de me desvencilhar da imagem inicial. Transformar, através da tinta, essa imagem em algo outro. É justamente nessa transposição que ocorre o coeficiente artístico. Nesse processo de paixão e desapego. A imagem que me seduziu inicialmente nunca estará de fato na minha pintura. Ela foi apenas o sopro inicial que fez gerar algo que eu nem poderia prever de antemão. E é essa transformação que acredito ser minha experiência intima com a pintura.